MAR PORTUGUÊS | Fernando Pessoa

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filos em vão rezaram
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena
Quem quer pasar além do Bojador
Tem que paddar além da dor
Deus ao mar o perigo e o abismo deu
Mas nele é que espelhou o céu

2009 | Nazaré

OUTRA | Luís de Camoes

Da alma, e de quanto tiver,
Quero que me despojeis
Contando que me deixeis
Os olhos para vos ver

Cousa este corpo não tem
Que já não tenhais rendida;
Depois de tirar-lhe a vida,
Tirai-lhe a morte também

Se mais tenho que perder,
Mais quero que me leveis,
Contanto que me deixeis
Os olhos para vos ver.

2011 | Viana do Castelo

LIBERA ME | Carlos Queiroz

Livrai-me Señor
De tudo o que for
Vazio de amor.

Que nunca me espere
Quem bem me não quer
(Homem ou muller).

Livrai-me também
De quem me detém
E graça não tem,

E mais de quem não
Possui nem um grão
De imaginaçao.

2010 | Coimbra

BARCA BELA | Almeida Garret

Pescador da barca bela,
Onde vais pescar come la,
Que é tão bela,
Oh pescador!

Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Oh pescador!

Deita o lanço com cautela
Que a sereia canta bela…
Mas cautela
Oh pescador !

Não se enrede a rede nela
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la
Oh pescador!

Pescador da barca bela
Inda é tempo, foge dela,
Foge dela
Oh pescador!

2006 | Aveiro




PORQUE | Sophia de Mello Breyner Andresen


Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo
Porque os outros são habeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não. 


2010 | Monçao