NATAL | Miguel Torga

Leio o teu nome
Na página da noite :
Menino Deus...
E fico a meditar
Na milagre dobrado
De ser Deus e menino.
Em Deus não acredito.
Mas de ti como posso duvidar?
Todos os dias nascem
Meninos pobres em currais de gado.
Crianças que são ânsias alargadas
De horizontes pequenos.
Humanas alvoradas...
A divindade é o menos.

2009 | Viana do Castelo


CAMPO | Eugénio de Andrade


Este verde impossível de se ver,
Que alegre o camponês cultiva a prazo,
Não dá sequer para me aborrecer
Na extensão sem fin do campo raso.

Sem fim, a vida, deixa-se correr
Lisa e fatal, serena, sem acaso.
E acontece o que tem de acontecer
Como quem já da vida não faz caso.

Nada se passa aqui de extraordinário :
Tudo assim, como peixe no aquário,
Sem relevo, sem isto, sem aquilo;

Muito bucólico a favor da besta,
O campo , sim, é esta coisa fresca…
Coaxar de rãs, a música do estilo.

2009 | Lisboa